Criticada como uma “obscenidade” arquitetônica, a pirâmide de vidro completa 30 anos como um dos símbolos de Paris
Um eminente escritor clamou pela revolta nas ruas quando o extravagante ministro da cultura Jack Lang, no governo de François Mitterrand, revelou pela primeira vez os planos para o que hoje é considerada a obra-prima do arquiteto chinês-americano M. Pei.
Colocar uma pirâmide modernista no centro de um palácio renascentista foi considerado um sacrilégio, com satirizou uma revista na época, chamando-a de tumba e brincando que Mitterrand – que sofria de câncer – “quer ser o primeiro faraó de nossa história”.
Pei – que fará 102 anos no mês que vem – lembra-se de “receber muitos olhares furiosos nas ruas”, com até 90% dos parisienses supostamente sendo contra o projeto.
Nos próximos dias, JR, um dos artistas de rua mais famosos do mundo, criará uma enorme colagem com a ajuda de 400 voluntários para celebrar o seu 30º aniversário, revelando “O Segredo da Grande Pirâmide”.
Golpe de meste
Como um esfinge, Mitterrand, que havia embarcado em uma série de grandes projetos para transformar a capital francesa, protegeu suas apostas desde o início. “É uma boa ideia mas, como todas as boas idéias, é difícil de fazer”, alertou Lang, o velho líder socialista.
Uma ala inteira do Louvre era então ocupada pelo ministério das finanças francês, que detinha os cofres do Estado, e seria difícil de ceder. O enorme “Napoleon Courtyard” era um parque de estacionamento pavoroso e o museu era prejudicado pela falta de uma entrada central.
O golpe de mestre de Pei foi ligar as três alas do museu mais visitado do mundo com vastas galerias subterrâneas banhadas pela luz de sua pirâmide de vidro e aço.
Tal foi o seu sucesso que o conservador diário francês Le Figaro, que liderou a campanha contra o seu design “atroz” durante anos, celebrou o sua genialidade com um suplemento sobre o 10º aniversário da abertura da pirâmide em 1999.
Pei, que cresceu em Hong Kong e Xangai, não foi a escolha óbvia para o trabalho, nunca tendo trabalhado em um prédio histórico antes. Mas Mitterrand ficou tão impressionado com sua extensão modernista na National Gallery of Art, em Washington DC, que insistiu que era o homem do Louvre.
Já em meados dos anos 60, quando o projeto começou, nada havia preparado Pei para a hostilidade que seus planos receberiam. Ele precisava de todo seu tato e humor seco para sobreviver a uma série de encontros com oficiais de planejamento e historiadores.
“Você não está em Dallas”
Um encontro com a comissão francesa de monumentos históricos em janeiro de 1984 terminou em alvoroço, com Pei incapaz de apresentar suas idéias.
“Você não está em Dallas agora!”, gritou um dos especialistas durante a terrível sessão, onde Pei foi alvo do racismo anti-chinês. Nem mesmo quando Pei ganhou o Prêmio Pritzker, o “Nobel da arquitetura” em 1983, acalmou seus detratores.
O então diretor do Louvre, Andre Chabaud, renunciou em 1983 em protesto contra os “riscos arquitetônicos” que a visão de Pei representava. No entanto, Jean-Luc Martinez, o atual diretor, não tem dúvidas de que a pirâmide ajudou a transformar o museu. No ano passado, o Louvre recebeu mais de 10 milhões de visitante.
“O Louvre é o único museu do mundo cuja entrada é uma obra de arte”, insiste Martinez. A pirâmide é “o símbolo moderno do museu”, disse ele, “um ícone no mesmo nível” das obras mais reverenciadas do Louvre, como a “Mona Lisa” ou a “Vênus de Milo”.
Pei não está sozinho ao ser atacado por mudar a paisagem de Paris. Em 1887, um grupo de intelectuais que incluíam Emile Zola e Guy de Maupassant publicaram uma carta no jornal Le Temps para protestar contra a construção da “inútil e monstruosa Torre Eiffel”, uma “odiosa coluna de chapa com parafusos”.
Via ArtDaily