Exibida na capital inglesa em 1944, a mostra reunia 168 pinturas e desenhos de 70 artistas modernistas, além de 162 fotografias
Nos dias mais sombrios da Segunda Guerra Mundial, os principais artistas brasileiros iluminaram as paredes da Royal Academy of Arts (RA) de Londres e da Whitechapel Gallery com uma exposição de arte moderna. Na exposição original, 70 artistas brasileiros doaram mais de 160 obras, que sobreviveram à perigosa viagem em tempo de guerra através do Atlântico, até o chegarem a Londres. A receita gerada pelas vendas ajudou membros feridos da Royal Air Force ou às suas viúvas.
Agora, Londres vai poder rever parte desse acervo que, em 1944, atraiu cerca de 100 mil pessoas – um recorde até mesmo para os padrões da época.
Três anos de pesquisas de Hayle Gadelha, adido cultural do Brasil em Londres, resultaram em uma exposição que reúne 24 obras pela primeira vez desde 1944. Chamada de “A Arte da Diplomacia: Modernismo Brasileiro Pintado para a Guerra”, a exposição será aberta na embaixada brasileira em Londres na sexta-feira, 6 de abril, permanecendo em cartaz até 22 de maio. Duas obras de Tarsila do Amaral, que atualmente é tema de uma exposição individual no Museu de Arte Moderna de Nova York. Art (MoMA), foram emprestadas por um colecionador particular do Brasil para esta mostra.
Na década de 1940, o RA era um local incomum para qualquer mostra de arte moderna. Seu presidente, Alfred Munnings, zombava de artistas não tradicionais, especialmente se fossem estrangeiros. Picasso, cujo nome ele normalmente escrevia “Piccasso”, era um alvo especial do ultraje de Munnings.
“Os britânicos esperavam uma arte ingênua e colorida”, diz Gadelha. Em vez disso, eles descobriram trabalhos de ponta feitos por Tarsila do Amaral, Candido Portinari e Roberto Burle Marx, entre outros. Eles também foram surpreendidos por uma exposição fotográfica da moderna arquitetura brasileira, incluindo imagens de alguns dos primeiros trabalhos de Oscar Niemeyer.
Sofisticação
Apesar do sucesso, especialistas dizem que a maioria das obras contrariaram as expectativas do público britânico que, pelas reações, esperavam algo “menos europeu”.
Para Adrian Locke, curador da nova exposição, o Reino Unido não estava aberto à ideia de que o Brasil poderia ser “uma nação sofisticada e culturalmente progressista”.
“Mas os brasileiros mostraram, de um modo geral, uma arte que fugia dos estereótipos e da sensualidade”, explica o chefe do setor cultural da Embaixada do Brasil em Londres e pesquisador do Brazil Institute, do King’s College London, Hayle Gadelha.
Coube a ele fazer um trabalho de detetive para rastrear onde estavam as obras. Localizou metade delas, sendo que 25 estão em museus e galerias de arte do Reino Unido que cederam os quadros para a nova montagem.
Para Gadelha, que transformou o impacto da exibição de 1944 em tese de doutorado, a exposição foi um movimento diplomático que tinha, como pano de fundo, a busca do Brasil de se colocar como potência global a partir cultura. Mas acabou sendo uma iniciativa isolada.
“Houve uma descontinuidade, e algo do tipo demorou muito para se repetir”, explica.