Referência no pensar do feminino na arte, seu trabalho é autobiográfico e trata da infância, medos, angústias, assim como a maternidade e conceitos da psicanálise
Louise Borgeois, uma das artistas mais emblemáticas da história da arte do século XXI, quebrou a barreira, até então existente no plano da teoria, entre a vida e a arte. Ela usou suas emoções como matéria-prima da sua obra, percorrendo temas como a sexualidade e a memória.
Sua carreira , que se estendeu pela maior parte do século XX, foi fortemente influenciada pelos eventos psicológicos traumáticos de sua infância, particularmente a infidelidade de seu pai. O tema principal abordado por Bourgeois, frequentemente chocante e sexualmente explícito, e o seu foco nas formas tridimensionais eram raros para as mulheres de sua época.
Começando na década de 1970, aos domingos hospedava salões em seu apartamento no Chelsea, onde estudantes e jovens artistas levavam seus trabalhos para serem analisados por Bourgeois, que podia ser implacável e se referia às reuniões, com humor tipicamente seco, como “Sunday, bloody Sunday”.
No entanto, essa acessibilidade e disposição para aconselhar os artistas mais novos era excepcional para uma artista de tal posição. Sua influência sobre outros artistas desde a década de 1970 é grande, mas se manifesta mais fortemente na arte corporativa de inspiração feminista e no desenvolvimento da arte de instalação.
Idéias-chave do trabalho de Bourgeois
A arte de Bourgeois é conhecida pelo seu conteúdo temático altamente pessoal envolvendo o desejo inconsciente, sexual e do corpo. Estes temas se baseiam em eventos da sua infância para os quais ela se apropriou da arte para realizar um processo terapêutico ou catártico.
Bourgeois transformou suas experiências em uma linguagem visual altamente pessoal através do uso de imagens mitológicas e arquetípicas, adotando objetos como espirais, aranhas, gaiolas e ferramentas médicas para simbolizar a psique feminina, a beleza e a dor psicológica.
O tema da dor é o meu negócio. [Quero] dar significado e forma à frustração e ao sofrimento
Louise Bourgeois
Através do uso de formas abstratas e de uma ampla variedade de suportes, Bourgeois lidou com noções de equilíbrio universal, brincando com a justaposição de materiais convencionalmente considerados masculinos ou femininos. Ela usou, por exemplo, materiais ásperos ou duros mais fortemente associados à masculinidade para esculpir suaves formas biomórficas, sugestivas de feminilidade.
Infância
Louise Bourgeois nasceu em Paris, em 1911, e recebeu o nome de seu pai, Louis, que queria um filho homem. Na maior parte do ano, sua família morava no elegante St. Germain, em um apartamento acima da galeria onde seus pais vendiam tapeçarias. A família também tinha uma villa e oficina no campo, onde passavam os fins de semana restaurando tapeçarias antigas.
Durante toda sua infância, Bourgeois foi recrutada para ajudar na oficina lavando, reparando, costurando e desenhando. A oficina era supervisionada pela mãe de Bourgeois, Josephine, com quem tinha muita proximidade. As tensões na família, particularmente o fato de que a amante de seu pai (que também era tutora de Bourgeois) residia com a família, que mais tarde viria a formar a arte altamente autobiográfica de Bourgeois.
Primeiros passos
Bourgeois tinham uma sólida educação. No início da década de 1930, estudou matemática e filosofia na Sorbonne, onde escreveu sua tese sobre Blaise Pascal e Emmanuel Kant. Depois da morte de sua mãe, em 1932, ela começou a estudar arte, se matriculando em várias escolas e ateliês entre 1934 e 1938, incluindo a Ecole des Beaux-Arts, Academie Ranson, Academie Julian e Academie de la Grande-Chaumière.
Seu primeiro apartamento em Paris ficava na Rue de Seine, no mesmo prédio de André Breton, da Galerie Gradiva, onde ela se familiarizava com o trabalho dos surrealistas. Em 1938, ela começou a exibir seu trabalho no Salon d’Automne e abriu sua própria galeria em uma área separada do showroom de tapeçarias de seu pai, exibindo impressões e pinturas. Através de sua curta carreira como negociante de arte, conheceu o historiador de arte Robert Goldwater, com quem se casou e se mudou para a cidade de Nova York em 1938.
Bourgeois e seu amadurecimento artístico
Chegando à Nova York, Bourgeois inscreveu-se na Art Students League e concentrou sua atenção na gravura e pintura, enquanto também teve três filhos em quatro anos.
Durante as décadas de 1940 e 1950, Goldwater introduziu Bourgeois a uma infinidade de artistas, críticos e comerciantes de Nova York, incluindo o importante Alfred Barr, diretor do Museu de Arte Moderna, que comprou uma de suas obras para a coleção MoMA em 1953.
No final dos anos 40 e 50, ela teve várias mostras individuais em diversas galerias de Nova York. Seu marido recebeu uma bolsa Fulbright e eles voltaram com seus filhos para a França, onde permaneceram por alguns anos no início da década de 1950, período no qual seu pai faleceu.
Bourgeois começou sua relação com a psicanálise em 1952, que continuou com idas e vindas até 1985. Na década de 1960, Bourgeois começou a experimentar com látex, gesso e borracha, e também viajou para a Itália, onde trabalhou com mármore e bronze.
Consolidação e prestígio
O marido de Bourgeois morreu em 1973, mesmo ano em que ela que começou a dar aula em várias instituições da cidade de Nova York, incluindo o Pratt Institute, Brooklyn College e Cooper Union. Ela também participou de várias exposições nos anos 70 e 80 e começou a apresentar peças de performance.
Na década de 1970, Bourgeois também se tornou politicamente ativa como socialista e feminista. Ela se juntou ao Fight Censorship Group, que defendeu o uso de imagens sexualmente explícitas na arte, e fez várias de suas próprias obras sexualmente explícitas relacionadas ao corpo feminino, como Fillette (1968).
A abordagem idiossincrática de Bourgeois encontrou poucos defensores nos anos em que as questões formais dominavam o pensamento do mundo da arte. Mas, nos anos 70 e 80, o foco mudou para o exame de vários tipos de imagens e conteúdo.
“A arte é uma garantia de sanidade”
Louise Bourgeois
Em 1982, aos 70 anos, Bourgeois finalmente voltou ao centro das atenções com uma retrospectiva no Museu de Arte Moderna – a primeira dedicada a uma artista feminina naquela instituição. Depois disso, ela estava cheia de nova confiança e avançou, criando aranhas monumentais, suas “Cells” de tamanho monumental, figuras evocativas que muitas vezes pendiam de fios e uma variedade de obras em tecido decoradas com suas roupas antigas. Enquanto isso, fazia desenhos em papel, dia e noite, e também retornava à gravura.
Em 1993, Bourgeois, que se tornou cidadã americana em 1955, foi escolhido para representar os EUA na Bienal de Veneza.
A arte foi sua ferramenta de evolução; era um exorcismo. Como ela mesma disse: “A arte é uma garantia de sanidade”. Bourgeois morreu em Nova York em 2010, aos 98 anos.
Legado
O trabalho de Bourgeois ajudou a fortalecer o crescente movimento artístico feminista e continua a influenciar o trabalho de inspiração feminista e a arte de instalação. As primeiras assemblages de Louise Nevelson, por exemplo, foram produzidas alguns anos depois de Bourgeois ter experimentado ambientes semelhantes, como “Blind Leading the Blind” (1947-1949) e Night Garden (1953).
O foco de Bourgeois na gentália masculina e feminina durante a década de 1960 foi um importante precursor de artistas feministas como Lynda Benglis e Judy Chicago, cujos trabalhos abordam temas semelhantes. O trabalho de Bourgeois sempre se concentrou na reconstrução da memória, e em seus 98 anos, ela produziu um espantoso corpo de esculturas, desenhos, livros, gravuras e instalações.