A artista trabalhou meses na construção das pinturas, que estrearam para o público durante este fim de semana
Quem passou pelo lobby do San Francisco Museum of Modern Art (SFMOMA) na semana passada se deparou com uma visão extraordinária: uma mulher, suspensa no ar em um elevador mecanizado, fazendo os últimos retoques das maiores e mais ambiciosas pinturas de sua carreira.
O díptico inédito de Julie Mehretu, “HOWL, eon (I, II)”, apresentado no SFMOMA em 2 de setembro, é enorme. Cada tela tem cerca de 8 metros de altura e quase 10 metros de largura – ou seja, maior do que a Última Ceia, de Leonardo, ou a Escola de Atenas, de Raphael. Juntos, eles são maiores do que O Ùltimo Julgamento, de Michelangelo.
“É uma escala histórica – não é típico dos trabalhos do nosso tempo”, diz Gary Garrels, curador de pintura e escultura do museu. “Mesmo as maiores pinturas dos expressionistas abstratos não chegam perto desta escala”.
Criados como parte do novo programa de comissionamento da SFMOMA, as telas site-specific são as primeiras obras a ocupar as gigantescas paredes acima da escada central do museu, desde que o edifício renovado reabriu no ano passado.
O também gigantesco processo de criação
A jornada das pinturas para São Francisco foi tão épica quanto o seu tamanho. Durante 14 meses, Mehretu mudou seu estúdio para uma igreja desativada no Harlem, a fim de criar as pinturas. Era o único espaço grande o suficiente, encontrado por ela, para abrigá-las. Para completar as obras gigantes, a artista – que nasceu na Etiópia e trabalha em Nova York – também teve que ampliar suas ferramentas, buscando pinceis maiores e mais longos.
Embora as pinturas estejam entre as encomendas mais esperadas do ano, seu conteúdo permaneceu como um segredo bem guardado por muito tempo. (A primeira e única sugestão do que elas se pareceriam veio através de uma foto parcial em uma longa história do New York Times sobre esta encomenda, no mês passado).
Agora, o público pode finalmente ver as telas em toda a sua glória. As composições extensas são preenchidas com elementos em tinta preta que, em alguns lugares, se assemelham a hieróglifos, caligrafia e até partes de corpos – uma reviravolta recente para a pintora abstrato. Rosas, azuis e laranjas estão obscuros em segundo plano.
A incursão de Mehretu na figuração foi antecipada por um corpo de trabalho que estreou na Marian Goodman Gallery, no ano passado. Mas esta paleta vibrante é um novo desenvolvimento. Depois de anos de trabalho em tons mais silenciosos, ela reintroduziu as cores ricas pelas quais ela se tornou conhecida, quando emergiu no início dos anos 2000.
A preparação das telas
As pinturas são construídas, literalmente, na idéia do Oeste Americano como um lugar de grande possibilidade e grande destruição. “Nós falamos muito sobre o que está acontecendo aqui [em San Francisco]agora”, diz Garrels. “Como eu disse a Julie, sinto que estou vivendo em uma nova corrida do ouro, com jovens que fluem para a Bay Area vindos de todo o mundo para fazer suas fortunas”.
Para criar as composições, Mehretu compilou imagens de paisagens do Ocidente criadas por artistas como Albert Bierstadt e Frederic Edwin Church. Ela justapôs as imagens com fotos de jornais de recentes tumultos e protestos, originados depois que policiais atiraram contra um homem negro – um lembrete de que o sonho americano não está igualmente disponível para todos. Então, expandiu estas imagens até que se tornassem pixeladas e quase irreconhecíveis, e as imprimiu em telas.
De volta ao Harlem, Mehretu e sua equipe revestiram as telas, camada sobre camada, em acrílico transparente “para criar a sensação de que essas imagens estavam incorporadas à tela”, diz Garrels. Quando terminaram o processo de um mês, as superfícies “eram lisas como o vidro”.
Pintura nas alturas
Ela começou a se dedicar a pintura nos meses que seguiram às eleições presidenciais. “Eu não acho que haja uma referência entre as eleições e as pinturas, mas você sente uma turbulência, uma qualidade inesgotável”, diz Garrels.
Mehretu esteve em constante transição, entre o elevador e o chão, para ver como cada marca contribuía para o grandioso conjunto. “Há algo muito intenso sobre estar envolvido no que você está trabalhando – é difícil para mim imaginar o que isso faz sentir”, observa Garrels.
Com a jornada agora encerrada, as obras estão programadas para permanecerem em exibição por pelo menos três anos. No final desta semana, Garrels irá apresentá-las ao comitê de aquisições do museu, na esperança de que elas possam se tornar uma parte permanente da coleção. Ele espera um resultado favorável. “Meu senso é que eles vão se tornar parte deste museu”, diz ele.