David Salle | Artista do Mês | Abril de 2017

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Pintor, gravurista e cenógrafo, David Salle ajudou a definir a sensibilidade na arte pós-moderna

A carreira de David Salle na arte foi incubada no famoso viveiro de artistas pós-estúdio sob a tutela de John Baldessari. Numa época em que o mundo da arte colocava a pintura como ultrapassada, ou importante apenas dentro dos limites de um minimalismo novo e austero, David Salle e seus colegas revigoravam o formato de maneiras novas e ousadas.

Salle nasceu em 1952 em Norman, Oklahoma, e concluiu a graduação e o mestrado no California Institute of the Arts, onde estudou com John Baldessari. Enquanto a pintura da era modernista estava rigidamente fixada à ideia de que a representação de uma imagem deveria permanecer tão fiel quanto possível, Salle usava essas mesmas imagens realistas como componentes de obras pastiche que obrigavam o espectador a também vê-las como contorno, cor e forma, empurrando-as à uma escala heroica que beirava o expressionismo abstrato.

Este casamento da figuração tradicional com a obsessão da Pop Art por imagens díspares, rejuvenesceu o pós-modernismo e o neoexpressionismo, criando dentro do gênero um espaço pictórico permeado de humor e teatralidade.

O trabalho de Salle no teatro também dá a sensação de que cada pintura é um palco, onde os atores – sejam em suas partes do corpo, como palhaços ou propagandas de móveis – são parte de um elenco itinerante de personagens subliminares no drama em andamento de nossas vidas.

É como se as pinturas de Salle fossem instantâneos de momentos singulares dentro do fluxo constante de pensamentos superficiais e visuais simultâneos que habitam perpetuamente em nossas mentes – pedaços não-literais e aleatórios que obedecem à beleza da ambiguidade.

Untitled from Canfield Hatfield, 1989

Untitled from Canfield Hatfield, 1989

Ideias-centrais do trabalho de David Salle

Para Salle, o processo de colagem não se limita à habitual justaposição de múltiplas referências culturais ou do pop inofensivo. Ele também considerou a combinação de vários estilos de pintura, desde a histórica à fotorrealista e ao cartoon em um mesmo plano como ingredientes essenciais em suas construções, assim como o uso de texturas. Até mesmo as diferenças entre as escalas de preto e branco e os campos coloridos oferecem paralelos em seu trabalho.

O uso de pastiche caracteriza grande parte do trabalho de Salle, um instrumento através do qual ele por vezes imita o estilo ou o caráter do trabalho de outro artista dentro do seu próprio. O pastiche permite uma reciclagem de temas do passado e de tradição artística em um contexto contemporâneo.

Em grande parte do trabalho de Salle, imagens familiares são mostradas de cabeça para baixo ou relativamente distorcidas. O uso de partes do corpo, flutuando entre si em planos de espaço em branco, são um excelente exemplo desse desejo de tirar a literalidade de seus temas e apresentá-los como dançarinos em um palco, como formas e não como humanos.

Ao colocar objetos comuns em diferentes perspectivas, Salle nos pede para processar as informações de uma nova maneira, agitando nossas associações do que é normal para o que poderia ser visto sob nova ótica.

O trabalho de Salle fora da tela, seja como um designer de cenário para dança e performance e, mais tarde, em sua carreira como cineasta, deu às suas pinturas um elemento teatral, que podem ser consideradas como cenas congeladas do decorrer de nossa vida; o que escolhemos para mostrar de nós mesmos, rodopiando nos efêmeros de nossos pensamentos, atos e obsessões. Isso acrescenta um elemento de direção em seu trabalho, o que esmaece a linha entre o que é representacional e o que é autêntico.

Salle não criou apenas obras de arte, mas também escreveu sobre arte para publicações conceituadas como ArtForum e Andy Warhol’s Interview. Sua reputação como crítico de arte adiciona peso e profundidade à sua carreira, solidificando seu papel como o homem do renascimento no mundo da arte, ao lado de seu trabalho suplementar no teatro e no cinema.

O amadurecimento de sua arte

Em 1980, Salle estava vivendo e trabalhando em um loft em Tribeca quando começou a despontar como artista. Depois de sua primeira exposição individual na cidade de Nova York, ele estabeleceu sua parceria com a proprietária da galeria Mary Boone, que continua a representá-lo até hoje.

Durante este tempo, o pintor expandiu sua prática para incluir o design teatral. Ele desenhou cenário e figurinos para “The Birth of the Poet” de Kathy Acker e passou a desenhar cenários e figurinos para as produções da bailarina e coreógrafa Karole Armitage. O renomado bailarino Mikhail Baryshnikov pediu a Armitage para criar uma nova obra para o American Ballet Theatre; Armitage aproximou-se então de Salle com o projeto. A colaboração foi frutífera: o balé foi um sucesso e Salle e Armitage tornaram-se amantes, vivendo juntos por sete anos.

Young Krainer, 1989

Young Krainer, 1989

Salle continuou a desafiar sua criatividade através da exploração de diferentes formas de arte. Durante a década de 1990, começou a produzir esculturas e também começou a expor suas fotografias. Muitas imagens em preto-e-branco tornaram-se a base de suas telas pintadas.

Salle fez sua estreia como diretor de Hollywood em 1995 com Search and Destroy, uma adaptação da peça teatral de Howard Korder, sobre um empresário de meia-idade que quer adaptar um livro de auto-ajuda para o cinema. Embora o filme tenha atraído alguns grandes nomes de Hollywood, incluindo os atores Christopher Walken, Dennis Hopper e Ethan Hawke, com Martin Scorsese como produtor – o filme encontrou uma recepção contraditória.

Produção recente

Salle finalmente se mudou de Tribeca para Long Island. Atualmente vive e trabalha na cidade costeira de East Hampton, Nova York.

Ao longo dos anos, ele se tornou um conceituado escritor de arte, contribuindo para Artforum, The Paris Review, Town and Country, Interview e inúmeras outras publicações.

Desde 2004 Salle tem experimentado repetidamente o tema vortex, misturando imagens representacionais com o que tem sido tipicamente uma forma abstrata e de desenho animado. Uma de suas séries mais recentes, Late Product Paintings, revisita sua série Early Product Paintings de 1993, na qual as colagens de recortes de propagandassão a base para a exploração da complexa relaçãoentre imagem, sujeito e objeto.

Embora seu romance com Armitage tenha terminado, os dois permanecem amigos íntimos e retomaram sua colaboração em suas produções de dança em meados dos anos 2000. Em uma entrevista de 2007, Armitage observou que Salle “tem uma extraordinária habilidade para entender a exigência de uma enorme variedade de elementos de cenário para cinema e até mesmo trajes de dança – que têm limitações técnicas muito específicas. Eu não entendo como ele é tão simples e intuitivo, enquanto também é profundamente analítico”.

Lampwicks Dilemma, 1989

Lampwicks Dilemma, 1989

David Salle e o seu legado

Os esforços criativos de Salle como pintor, gravurista e cenógrafo desempenharam um papel importante na formação da sensibilidade da arte pós-moderna, misturando frequentemente numa única tela imagens e estilos díspares em uma forma inovadora de pastiche.

Embora tenha sido uma figura influente no mundo da arte americana desde a década de 1980, sua popularidade nunca passou sem controvérsia; ele tem atraído críticas consistentes de feministas que se opõem ao seu uso freqüente de mulheres nuas ou escassamente vestidas em sua pintura.

Juntamente com seus contemporâneos, entre eles Robert Longo e Julian Schnabel, Salle deu início a um retorno ao expressismo gestual em obras de grandes formatos, seguindo ao minimalismo da pintura e da escultura na década de 1970. Seu trabalho impactou um número importante de artistas, incluindo as colagens inspiradas no Pop de Jeff Koons e as composições de fotografias em painéis múltiplos de Julia Wachtel, entre outros. 

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