Há poucos pintores chineses cujas carreiras têm a mesma amplitude e complexidade como a de Zeng Fanzhi. Desde o início da carreira, as pinturas de Zeng são marcadas pela sua franqueza emocional, seu intuitivo senso psicológico e sua calibrada técnica expressionista.
Zeng é um dos artistas mais populares de sua geração e um dos artistas asiáticos mais bem sucedido financeiramente. Embora tenha redefinido algumas vezes seu estilo artístico e seus temas, ele continua a explorar seus sentimentos e sua vida pessoal ao longo destas mudanças em seu vocabulário estético.
Nascido em 1964 em Wuhan, província de Hubei, na China central, Zeng era filho de operários de uma fábrica de impressão. O status social inferior de sua família permitiu-lhes sobreviver relativamente incólume pela turbulência da Revolução Cultural durante os quais muitos dos intelectuais e profissionais do país foram executados. Sua mãe, no entanto, foi muitas vezes perseguida por seu gosto por roupas coloridas e envergonhada publicamente pelos guardas.
Ele explica: “Eu cresci em meio à Revolução Cultural e todas estas ideologias ocupam bastante espaço em minha mente, mas quando eu pinto só quero retratar o meu sentimento interior e as pessoas ao meu redor. Eu nunca tive interesse de que minha arte se torne símbolo de ideias políticas”.
Estudou entre 1987 e 1991 na Academia de Belas Artes de Hubei, depois de fracassar por cinco vezes seguidas tentando ingressar na instituição. Lá, foi fortemente influenciado pelo Expressionismo, tendo interesse em particular pelo expressionismo alemão. Durante o terceiro ano de estudo, passou a se emprenhar em aprender mais sobre as abordagens levadas pelos expressionistas à pintura.
Como sua peça de formatura em 1991, Zeng apresentou “Hospital Triptych No. 1”, que atraiu imediatamente a atenção da crítica. Mais tarde, esta peça foi incluída na exposição “China’s New Art, Post-1989”, do Centro de Artes de Hong Kong – reconhecida hoje por ter introduzido vários artistas contemporâneos na cena artística internacional.
A criação desta obra e de outras da série “Hospital” é decorrente de tudo o que foi capturado pelo artista durante suas visitas ao hospital vizinho, que ele visitava diariamente para utilizar os banheiros (já que o local onde morava não possuía tais “facilidades”). Nestas pinturas, ele capta o trauma, tristeza e horror grotesco que encontrou lá diariamente. Ele muitas vezes justapôs as imagens da clínica com carne crua, o que sugerindo a vulnerabilidade bruta da existência humana. Usando a mesma cor de tinta avermelhada para a pele das pessoas e para a carne, Zeng os liga intimamente.
Estas séries iniciais (“Hospital” e, depois, “Meat”), levaram Zeng Fanzhi ao reconhecimento ainda na década de 1990. Ambas introduziram a assinatura dos tons vermelhos carnais do artista. Ao comparar homens a peças de carne, as obras da série “Meat” apontaram para a preocupação do artista com a problemática histórica da modernidade e o isolamento e a instabilidade da vida contemporânea em geral.
Em 1993, Zeng se mudou para Pequim porque sentia que poderia conseguir reconhecimento pelo seu trabalho. Ele explica: “Em Wuhan, quando as pessoas olhavam para o meu trabalho, sorriam, e em seu sorriso que eu podia ver que eles pensavam que eu estava louco. Em Pequim eles viram que eu era uma pessoa com ideias”. No entanto, com a mudança para a cidade grande, Zeng sentiu-se sozinho e afastado dos amigos e da família que deixou para trás. Em resposta a esses sentimentos de solidão, Zeng deu início à série “Mask”, em 1994, que explora as tensões entre as preocupações existenciais do artista e um tratamento irônico da afetação e da postura inerentes à sua nova vida urbana.
Nestas pinturas, ele retrata figuras bem vestidas usando máscaras brancas e com expressões vazias, em alusão à rápida transformação da China em meados dos anos 1990. Ele sentiu que as autoridades chinesas começaram a usar ternos e gravatas para “mudarem-se superficialmente” e que sentia essa mudança como falsa e artificial. Os personagens da série “Mask” parecem suspeitos e dissimulados, refletindo os sentimentos de isolamento social e incapacidade de Zeng para se conectar com as pessoas na movimentada cidade de Pequim. Estes trabalhos exploram questão da identidade e a natureza das relações entre as pessoas. A série impulsionou o estrelato internacional de Zeng e lhe rendeu milhões de dólares em vendas.
Com o tempo, o artista foi temperando o impacto direto do expressionismo com as técnicas da pintura tradicional chinesa. Seu trabalho, eloquente e afrontador, é carregado de melancolia, desdobrando-se em uma sucessão de temas distópicos, tanto introspectivos quanto abertamente críticos.
Entre 2003 e 2004 Zeng começou a experimentar uma nova técnica de forma dramática, abandonando o áspero estilo de inspiração expressionista alemã para trabalhar mais com influências tradicionais chinesas. Em particular, Zeng se voltou para o trabalho da Dinastia Song (960 – 1279 A.D), que enfatizava especialmente a pintura de paisagem.
Este trabalho experimental de traços leves e rápidos evoca os diferentes traços da caligrafia tradicional chinesa e do processo de aprender a dominar esses tipos de linhas. Nestes trabalhos, Zeng cria paisagens com e sem personagens, explorando uma visão mais romântica da relação entre o homem e a natureza.
Para criar estas obras, Zeng pintou com ambas as mãos, às vezes segurando dois pincéis em cada mão. “Com esta nova técnica, crio e ao mesmo tempo, destruo. Um dos pincéis está criando, enquanto os demais não têm nada a ver comigo. Eu gosto deste tipo de criação que acontece por acaso. Em algum momento eu vou perder controle sobre a imagem, mas depois de perder o controle você olha para o que tem e tenta obtê-lo de volta”, explica o artista. Simultaneamente, ele cria e obscurece suas imagens, conseguindo uma elevada sensação de emoção e espontaneidade.
Em maio de 2008 estabeleceu um novo recorde mundial para artistas chineses, quando sua obra “Mask Series 1996 nº6” foi vendida por US$ 9,6 milhões em Hong Kong. Mais tarde, em 2013, a tela “The Las Supper” foi vendida por US$ 23 milhões pela Sotheby’s de Hong Kong.
Suas obras já estiveram em exposições por todo o mundo, incluindo Shanghai Art Museum, National Art Museum of China, Kunst Museum Bonn, Kunstmuseum Bern, Santa Monica Art Centre e Le Musée d’Art moderne de la Ville de Paris. Em uma exposição no Museu do Louvre em 2014, a pintura “From 1830 till now no. 4” (2014) – especialmente encomendada para a ocasião – foi exposta ao lado de “Liberty Leading the People” (1830) de Eugène Delacroix.
Zeng Fanzhi também foi o tema de uma grandiosa retrospectiva no Musée d’Art Moderne de La Ville de Paris in 2013-2014. Em 2009, o artista representou a China na Bienal de Veneza.
O artista vive e trabalha em Pequim e transformou-se em um ícone do mundo da arte. Sua carreira serve como analogia para o desenvolvimento da arte moderna chinesa e, talvez, até da sociedade chinesa. O artista saiu do realismo social utilitário de sua infância, na época da Revolução Cultural e chegou à estratosfera dos salões mundiais de arte e preços milionários.